"Fazem-nos acreditar, ao mesmo tempo, que os problemas são
dados já feitos e que eles desapareceriam nas respostas ou na solução; sob este
duplo aspecto, eles seriam apenas quimeras. Fazem-nos acreditar que a atividade
de pensar, assim como o verdadeiro e o falso em relação a esta atividade, só
começa com a procura de soluções, só concerne às soluções. (...) É um
preconceito infantil, segundo o qual o mestre apresenta um problema, sendo
nossa a tarefa de resolve-lo e sendo o resultado
desta tarefa qualificado de verdadeiro ou falso por uma autoridade poderosa. E
é um preconceito social, no visível interesse de nos manter crianças, que
sempre nos convida a resolver problemas vindos de outro lugar e que nos
consola, ou nos distrai, dizendo-nos que venceremos se soubermos responder: o
problema como obstáculo e o correspondente como Hércules. É esta a origem de
uma grotesca imagem da cultura, que se reencontra igualmente nos testes, nas
instruções governamentais, nos concursos de jornais (em que se convida cada um
a escolher segundo seu gosto, com a condição de que esse gosto coincida com o
de todos). Como se não continuássemos escravos enquanto não dispusermos dos
próprios problemas, de uma participação nos problemas, de um direito aos
problemas, de uma gestão dos problemas. É o destino da imagem dogmática do
pensamento apoiar-se em exemplos psicologicamente pueris, socialmente
reacionários, para prejulgar o que seria o mais elevado no pensamento, isto é,
a gênese no ato de pensar e o sentido do verdadeiro e do falso."
Gilles Deleuze - Diferença e Repetição