domingo, 23 de outubro de 2016

Guattari e Rolnik prevendo o futuro


Na obra "Micropolítica: cartografias do desejo" a narra a passagem de Guattari pelo Brasil no ano de 1982 acompanhado por Rolnik, há uma passagem muito  interessante sobre Estado e Autonomia na qual a dupla faz uma explanação sobre um hipotético futuro para o Brasil que se assemelha bastante a situação pela qual o país passa nos dias atuais.  

"Imaginemos um roteiro de ficção científica em que as formações de esquerda conseguissem tomar o poder no Brasil. Nesse caso, seria preciso colocar-lhes desde já a questão: "a intenção de vocês é de assumir um caminho modernista a la europeia?" Isso significaria que todos aqui teriam excelentes salários, status e equipamentos muito bem feitos. Mas significaria também que todos se tornariam operários de uma máquina para produzir modos de subjetivação absolutamente esmagadores.
Se a coexistência desse dois tipos de objetivo - a afirmação de processos de autonomia e a existência de grandes máquinas de luta - continuar impedida, tenho a impressão de que infelizmente vão ser sempre os mesmos tipos de formação política - sejam elas de direita ou de esquerda - que estarão na gestão dos grandes problemas e que se ocuparão de todas as minorias. Conforme for, essas formações poderão até dizer: "fiquem tranquilos, a gente dá um jeito nessa questão das minorias"; e vários ministérios surgirão da noite para o dia: ministério dos negros, das mulheres, dos loucos e por aí vai. Digo isso porque é um pouco assim que as coisas estão acontecendo na Europa neste momento. Temos personagens de ministérios que poderíamos chamar de "Senhor Droga", "Senhora Condição Feminina", "Senhor Ecologia" etc. As marginalidades tem até um estatuto. Mas é exatamente esse reconhecimento que as faz entrar em equipamentos coletivos e seus equivalentes, e as torna em certo contextos, agentes da produção de subjetividade capitalística. E isso frequentemente em condições de uma surpreendente ambiguidade. É verdade que a gente não conseguiu inventar uma estrutura política que seja capaz de desenvolver esses dois tipos de luta ao mesmo tempo; e é por isso, a meu ver, que os movimentos, no essencial, se esvaziaram.
 É por essa razão que insisto em que se as minorias de toda natureza, os marginais, os trabalhadores precários - todas as pessoas que recusam os modos de vida, os modos de disciplina vigentes - ficarem esperando gentilmente que o poder de Estado (seja ele capitalista ou socialista) venha trazer-lhes soluções, estaremos correndo o risco de esperar por muito tempo; estaremos correndo talvez um risco pior ainda: ver a situação dar uma virada tal que uma direita, mais extrema do que a que conhecemos, tome o poder. E ela saberá muito bem como mantê-lo" (GUATTARI & ROLNIK, p. 174, 2005).